Campo agrícola cortado por várias torres de alta tensão e turbinas eólicas de produção de energia ao fundo
Unsplash/publicpowerorg
Áreas rurais próximas de data centers têm sido as mais impactadas
 

Nos últimos 15 anos, áreas rurais nos Estados Unidos, Canadá e norte da Europa deram lugar a data centers que são a espinha dorsal da nossa vida digital, rodando serviços e recursos que são essenciais para consumidores ao redor do mundo. A ascensão da inteligência artificial (IA) nos últimos dois anos está acelerando ainda mais essa transformação, exigindo data centers cada vez maiores e impactando ainda mais as comunidades em volta desses empreendimentos e pressionando as redes de energia.

Em uma pequena e pacata cidade no Estado da Virgínia, nos Estados Unidos (EUA), um data center da DataBank com 19 mil metros quadrados de área foi finalizado recentemente. Quando estiver em pleno funcionamento, pode consumir tanta energia quanto 30 mil residências nos EUA. O objetivo do empreendimento é fornecer recursos computacionais para aplicações de IA de diversos clientes.

Em fevereiro do ano passado, eu escrevi aqui sobre a preocupação gerada pela chegada das inteligências artificiais e como seu impacto ainda era bem menor em comparação com atividades como mineração de criptomoedas. No entanto, a explosão na demanda de eletricidade por data centers está superando a oferta disponível em muitas partes do mundo, resultando em longas esperas para conexão à rede elétrica e aumentando preocupações com apagões e elevação de preços nas áreas próxima onde eles são construídos. A corrida armamentista descontrolada do Vale do Silício em busca da “supremacia de IA” ameaça desestabilizar os planos de transição energética de países inteiros e os objetivos de energia limpa das gigantes tecnológicas, como a Microsoft.

A empresa criadora do Windows e a OpenAI, criadora do ChatGPT, estão desenvolvendo um data center de US$ 100 bilhões, com previsão de iniciar suas operações em 2028. A instalação deve consumir cerca de cinco gigawatts de eletricidade, quando entrar em pleno funcionamento. A OpenAI já tem um consumo estimado de pelo menos 700 megawatts em sua operação atual.

Em alguns países, como Arábia Saudita, Irlanda e Malásia, a energia necessária para operar todos os centros de dados planejados excede a oferta disponível de energia renovável, segundo uma análise da Bloomberg. Estima-se que, nos EUA, a demanda de energia por data centers possa chegar a 8% do total de energia produzida no país até 2023, de acordo com um relatório do banco de investimentos Goldman Sachs. No Reino Unido, a IA deve consumir 500% mais energia na próxima década, em comparação com a demanda atual.

No cenário global, existem mais de 7 mil data centers em operação ou desenvolvimento, quase o dobro do número registrado em 2015. Esses centros têm capacidade de consumir 508 terawatts-hora de eletricidade por ano, mais do que a produção anual total de países como Itália ou Austrália. Até 2034, o consumo global de energia pelos centros de dados deve ultrapassar 1580 TWh, equivalente ao consumo atual de toda a Índia.

Ainda há incerteza sobre como a atual febre da IA se desenrolará, mas as previsões indicam que a demanda por energia continuará a crescer significativamente. Embora as empresas de tecnologia afirmem que os data centers representam menos de 2% do consumo global de energia, a Goldman Sachs projeta ainda que esse número pode subir para 4% até o final da década.

Alternativas para geração de mais energia

As principais empresas de serviços em nuvem, como Amazon, Microsoft e Google, têm metas de operar seus centros de dados exclusivamente com energia verde – a Amazon até o próximo ano, e Google e Microsoft até 2030. Elas estão investindo em métodos tecnológicos para consumir menos energia e balancear a demanda na rede de maneira mais eficiente. No entanto, líderes do setor, como Sam Altman da OpenAI, sugerem que uma inovação energética, possivelmente nuclear, será necessária.

A pressão sobre as fontes de energia renovável também é crescente. Muitos novos centros de dados consomem quantidades enormes de energia, e as iniciativas para melhorar a eficiência dos chips e servidores são contínuas. Empresas como a Nvidia estão desenvolvendo chips mais potentes, focados em AI, mas que também consomem mais energia, refletindo uma tendência de aumento contínuo na demanda.

A Dominion Energy, empresa que vai fornecer toda a eletricidade para manter aquele novo data center na Virgínia, conectou mais de 90 outros centros à sua rede nos últimos cinco anos e calcula um consumo anual em quatro gigawatts de eletricidade. Agora, a empresa tem recebidos pedidos para novas instalações que poderiam consumir múltiplos gigawatts, o que está gerando um acúmulo de solicitações e longas esperas para conexão à rede elétrica, incluindo para clientes residenciais.

Situações semelhantes ocorrem em outras partes do mundo. No oeste de Londres, por exemplo, novos data centers terão que esperar até 2030 para se conectarem à rede. Na Suécia, a demanda é tão alta que empresas podem esperar anos para se conectar. Nos EUA, muitos novos data centers de IA estão previstos para consumir 100 megawatts cada, levantando questões sobre como se todos esses projetos serão alimentados em tempo hábil.

Essa fome de eletricidade das IAs e outros serviços online está elevando os custos de energia, e os consumidores estão começando a sentir esses impactos. Nos EUA, a Goldman Sachs estima que as concessionárias terão que investir cerca de US$ 50 bilhões em nova capacidade de geração de energia para apoiar os centros de dados. Na Irlanda, os preços de energia atacadista são em média um terço mais altos do que no restante da Europa, e a demanda por data centers está contribuindo para esse aumento.

O Texas, por exemplo, se tornou um dos mercados de data centers de mais rápido crescimento nos EUA, em parte devido à abundante produção de energia solar e eólica, promessa de tempos de espera mais curtos em sua rede independente da rede nacional e desregulamentada – o que é apontado como uma das causas daquele apagão de 2021.

maquete digital do Temple, data center de US$ 800 milhões em construção no Texas
Meta/Reprodução
Data center da Meta em construção no Texas
 

A Meta, controladora do Facebook, iniciou a construção de dois novos data centers nos EUA com foco em serviços de IA. Um em Temple, no Texas, e outro em Kansas City, Missouri. Quando finalizados, cada projeto custará US$ 800 milhões (R$ 4,3 bilhões na cotação atual), elevando o investimento total da empresa em data centers nos EUA para mais de US$ 16 bilhões (R$ 87 bilhões). Essas novas instalações, totalizando 92 mil metros quadrados e área construída, são parte de um movimento estratégico da empresa para aproveitar terrenos e energia mais baratos, além de incentivos fiscais, com objetivo de utilizar 100% de energia renovável e ter emissão zero de carbono.

Para gerenciar as restrições de energia, a operadora estatal da Irlanda impôs uma moratória em Dublin em 2022 e estabeleceu condições para conectar novos centros de dados à rede, incluindo a preferência por aqueles que geram sua própria eletricidade.

Impacto e resistência

À medida que o número de centros de dados cresce, a resistência das comunidades locais também aumenta. Em no condado de Prince William, na Virgínia, ao sul da região onde fica o data center da DataBank, os residentes expressaram preocupação com o impacto dessas instalações em suas redes elétricas e qualidade de vida. No entanto, as autoridades locais continuam a aprovar novas construções, refletindo a pressão econômica.

Para mitigar o impacto ambiental, as empresas de tecnologia estão explorando várias iniciativas. Entre elas, destaca-se a otimização do layout dos equipamentos para reduzir a necessidade de resfriamento e o deslocamento de cargas para áreas com maior disponibilidade de energia verde. Google, Microsoft, Amazon e Apple estão liderando esses esforços, mas reconhecem que a eficiência por si só não será suficiente.

A busca por uma solução de energia inovadora, como a nuclear, está ganhando destaque. Em março, a Amazon adquiriu um complexo de data centers alimentado por uma usina nuclear por US$ 650 milhões (R$ 3,5 bilhões na cotação atual). Enquanto isso, o Google aposta na diversificação de suas fontes de energia e na descarbonização não apenas de suas operações, mas também de toda a rede.