Bolha da inteligência artificial supera era pontocom e infla mercado global de ações
Especialistas veem paralelos com eras de inovação passadas e alertam para riscos de ruptura brusca

Nos últimos dois trimestres, os gastos em capital voltados à inteligência artificial (IA) — especificamente em equipamentos e softwares de processamento de informação — contribuíram mais para o crescimento do PIB dos Estados Unidos do que todo o consumo das famílias combinado. Segundo dados do Bureau of Economic Analysis analisados por Neil Dutta, da Renaissance Macro Research, esse fenômeno sem precedentes transformou o setor de IA em uma espécie de “estímulo privado”, compensando perdas econômicas causadas por tarifas comerciais e outros fatores de desaceleração. Esse cenário levanta preocupações sobre a sustentabilidade do atual boom tecnológico, comparado por especialistas ao frenesi da bolha das pontocom, mas com volumes de investimento ainda maiores.
Empresas como Microsoft e Nvidia estão no epicentro dessa expansão. A Microsoft atingiu recentemente a marca de US$ 4 trilhões em valor de mercado, impulsionada principalmente pela receita do Azure, sua divisão de computação em nuvem, que fornece infraestrutura crítica para modelos de IA como os da OpenAI. Por sua vez, a Nvidia tornou-se a primeira empresa do mundo a ultrapassar os US$ 4 trilhões em valorização, impulsionada pela demanda insaciável por chips especializados em processamento paralelo. No entanto, analistas como Paul Kedrosky e Ed Zitron apontam que esses números escondem fragilidades: a maior parte da receita gerada pela infraestrutura de IA ainda não se traduz em lucros reais, e produtos voltados ao consumidor final — como chatbots — continuam operando com margens negativas devido ao alto custo computacional.
Enquanto Wall Street celebra os recordes de valorização, setores estratégicos da sociedade começam a reagir à imposição acelerada de soluções baseadas em IA. Nas universidades americanas, por exemplo, professores e pesquisadores denunciam a falta de governança democrática na adoção de tecnologias. Um relatório recente da American Association of University Professors (AAUP) revela que 71% dos docentes não têm voz nas decisões sobre aquisição e uso de ferramentas de IA em suas instituições. Além disso, há temores concretos sobre vigilância, precarização do trabalho docente e apropriação indevida de propriedade intelectual — com relatos de universidades cogitando substituir professores demitidos por “avatares de IA” alimentados por suas próprias aulas gravadas.
Essa resistência se insere em um contexto mais amplo de desconfiança pública. Pesquisas consistentes mostram que a maioria dos consumidores expressa ceticismo ou aversão a produtos de IA, especialmente quando percebem perda de qualidade ou substituição de interações humanas. Paradoxalmente, mesmo sem aceitação generalizada, a infraestrutura de IA avança com apoio governamental e financeiro maciço. Nos Estados Unidos, o governo Trump anunciou em julho de 2025 um plano de ação pró-IA que elimina barreiras regulatórias existentes e promove a construção acelerada de data centers, essenciais para o funcionamento de grandes modelos. Essa postura contrasta com iniciativas mais cautelosas na União Europeia, onde o AI Act busca impor limites claros ao uso de sistemas automatizados em áreas sensíveis, como educação, justiça e emprego.
Projeções e o espectro de uma ruptura
Especialistas do setor financeiro e tecnológico alertam que o atual ciclo de investimentos pode estar criando uma bolha de proporções históricas. Chris Mims, do Wall Street Journal, destaca que os gastos em infraestrutura de IA já superaram os picos registrados durante os booms das telecomunicações e da internet nos anos 1990 — e continuam crescendo. Se os retornos econômicos reais não acompanharem esse ritmo, o risco de uma ruptura abrupta aumenta significativamente. Diferentemente da bolha das pontocom, porém, uma possível quebra agora teria impactos sistêmicos muito mais profundos, dada a interconexão entre setores financeiros, governamentais e industriais com a infraestrutura de IA.
Apesar dos riscos, a tecnologia não desaparecerá após uma eventual ruptura. Sua utilidade como ferramenta de automação, vigilância e otimização operacional garante sua permanência — especialmente em regimes políticos e corporativos que priorizam eficiência sobre equidade. O desafio, portanto, não é rejeitar a IA em si, mas moldar seu desenvolvimento com governança democrática, transparência e proteção aos direitos trabalhistas e intelectuais. Movimentos como o da AAUP e o People’s AI Action Plan buscam justamente isso: construir contranarrativas que coloquem as pessoas, e não os oligarcas tecnológicos, no centro das decisões sobre o futuro digital.