O que acontece com domínios ccTLD quando um país acaba?
Descubra o que aconteceria com domínios de sites terminados em .me e .tv, por exemplo, se países com Montenegro e Tuvalu deixassem de existir
Os domínios de nível superior (TLDs) são identificadores únicos que aparecem no final dos endereços da web, como .com, .org e .net. Entre esses, existem os chamados domínios de nível superior com código de país (ccTLDs), como .br para o Brasil e .uk para o Reino Unido. Mas o que acontece com esses domínios quando um país deixa de existir?
A questão ganha relevância ao considerarmos países como Montenegro (.me) e Tuvalu (.tv), cujos domínios são amplamente utilizados para propósitos comerciais e pessoais. O desaparecimento desses países poderia ter implicações significativas para os TLDs associados a eles.
O papel da ICANN
A Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (ICANN) é a entidade responsável pela coordenação global do sistema de identificação exclusivo da internet, que inclui a gestão dos TLDs. Segundo as políticas da ICANN, os ccTLDs são delegados aos países com base nos códigos de duas letras definidos pelo padrão ISO 3166-1. Este padrão é mantido pela Organização Internacional de Padronização (ISO).
Se um país deixar de existir e for removido do ISO 3166-1, a ICANN enfrentará a complexa tarefa de decidir o destino do ccTLD correspondente. No entanto, não existe um processo automático ou definido para a retirada de um ccTLD. Cada caso seria analisado individualmente, considerando vários fatores técnicos, políticos e econômicos.
Existem precedentes históricos que podem oferecer algum insight. Quando a União Soviética se dissolveu em 1991, o ccTLD .su continuou a existir e ainda está em uso, apesar de não ser oficialmente reconhecido pela ICANN – e é muito popular entre cibercriminosos, como mostra essa matéria da Associated Press, de 2013, publicada pelo The Guardian.
Da mesma forma, quando a Iugoslávia se desintegrou, o ccTLD .yu foi mantido por um tempo, administrado por Sérvia e Montenegro (1992-2006), antes de ser oficialmente desativado em 2010. Em 2007, um período de transição foi estabelecido, e os endereços de todos os sites com domínio .yu que falharam em migrar para .me ou .rs foram deletados em 30 de março de 2010, sem possibilidade de redirecionamentos.
O domínio .yu é tema de um minidocumentário chamado From Yu to Me (2013), disponível gratuitamente no Vimeo, com legendas em Inglês.
Esses casos indicam que, mesmo após a extinção de um país, o ccTLD pode continuar a operar por um período prolongado, especialmente se houver uma base de usuários significativa ou interesse comercial.
Os casos de Montenegro e Tuvalu
Montenegro (.me)
Montenegro, que possui o ccTLD .me, é uma nação com cerca de 620 mil habitantes com uma história conturbada e marcada por seu passado como uma das repúblicas que compunham a Iugoslávia. Após a dissolução da Iugoslávia nos anos 1990, Montenegro formou uma união com a Sérvia até se tornar completamente independente em 2006. O domínio .me é amplamente popular por seu apelo pessoal e facilidade de memorização, sendo usado em endereços de sites pessoais e campanhas de marketing global.
Caso Montenegro enfrente novamente turbulências políticas ou, hipoteticamente, deixe de existir como entidade soberana, a gestão do .me poderia se tornar um desafio complexo para a ICANN e dependerá de negociações entre a organização e quaisquer novos governos ou entidades internacionais envolvidas.
A história de transições e dissoluções na região dos Bálcãs indica que, mesmo com mudanças drásticas, os ccTLDs podem continuar em uso por um período prolongado, como aconteceu com a Iugoslávia.
Tuvalu (.tv)
Tuvalu, um pequeno arquipélago no Pacífico com uma população de aproximadamente 11 mil pessoas, enfrenta um risco existencial devido ao aquecimento global e o aumento do nível dos oceanos, que pode submergir partes significativas ou até toda a nação insular nas próximas décadas. O ccTLD .tv é altamente valioso por sua associação com a palavra “televisão”, gerando receitas significativas que são cruciais para a economia do país. A popularidade do domínio .tv se deve principalmente ao seu uso por empresas de mídia e plataformas de streaming em todo o mundo.
Se Tuvalu for tragicamente engolido pelo oceano, o destino do .tv será um dilema complexo. A ICANN teria que considerar tanto os aspectos humanitários quanto os comerciais, negociando com qualquer entidade sucessora ou internacional para determinar a continuidade ou reatribuição do ccTLD. A renda gerada pelo .tv é vital para os habitantes de Tuvalu, aumentando ainda mais a importância de uma solução cuidadosa e justa.
Implicações técnicas e jurídicas
Os ccTLDs, como .me e .tv, que têm um valor de marca elevado, apresentam um dilema único. A ICANN teria que considerar a continuidade do serviço para milhões de usuários que dependem desses domínios para suas operações comerciais e pessoais. Além disso, a transição ou eliminação de um ccTLD pode gerar instabilidade na internet e impactar negativamente os negócios que operam sob esses domínios.
A eventual dissolução de um país e a consequente remoção de seu código ISO 3166-1 criariam uma série de desafios legais e econômicos. Novas entidades governamentais ou internacionais poderiam reivindicar a administração do ccTLD, levando a disputas jurídicas prolongadas. A ICANN também teria que navegar por um complexo cenário diplomático para evitar conflitos e garantir uma transição suave.