Novo navegador Ladybird promete web livre de influências corporativas
Projeto bancado inteiramente por crowdfunding recebeu financiamento inicial de US$ 1 milhão
Um novo navegador chamado Ladybird está sendo desenvolvido com a promessa de criar uma experiência web livre da influência de grandes corporações. O projeto, tocado por uma organização sem fins lucrativos homônima, pretende desafiar o domínio de gigantes como Google e Microsoft no mercado de navegadores.
Apesar de ainda estar em fase inicial de desenvolvimento, o Ladybird já gera discussões. Alguns entusiastas da web aberta apoiam a iniciativa, enxergando-a como uma forma de promover a neutralidade da rede. “Acredito que esse seja um tremendo presente para a internet”, comentou um usuário do fórum Hacker News.
Por trás do projeto estão os desenvolvedores Andreas Kling (Apple Safari, Nokia/WebKit e KHTML) e Chris Wanstrath (Null Games e cofundador e ex-CEO do GitHub), responsável pelo financiamento inicial com uma quantia de US$ 1 milhão (R$ 5,48 milhões na cotação atual).
Através do site da iniciativa, é possível se tornar um apoiador recorrente do desenvolvimento do navegador, doando qualquer valor mensalmente. Doações serão a única forma de financiamento do projeto.
O que diferencia o Ladybird dos outros navegadores?
O Ladybird chega como uma opção intrigante, optando por construir sua engine do zero, sem utilizar código de navegadores existentes como Chrome, Firefox ou Safari.
Inicialmente concebido como um simples visualizador HTML para o projeto SerenityOS, o Ladybird evoluiu para um navegador completo com suporte planejado para sistemas Unix-like populares, como Linux e macOS. É importante ressaltar que, no momento, o Windows não está entre as prioridades dos desenvolvedores.
Apesar de ainda estar em fase inicial de desenvolvimento, o projeto já demonstra força: o repositório no GitHub do Ladybird movimenta uma comunidade de mais de mil colaboradores, e a iniciativa por trás do navegador é conduzida por uma organização sem fins lucrativos (501(c)(3)). Isso significa que o foco do desenvolvimento fica exclusivamente na experiência do usuário, sem a interferência de modelos de negócios baseados em lucro.
Kling, líder do projeto, explicou que o objetivo mais restrito da iniciativa Ladybird, focado apenas no navegador, pode torná-la mais simples e financeiramente sustentável em comparação com a Fundação Mozilla.
A governança do projeto é conduzida por um conselho de diretores selecionados por sua visão e experiência, e não por influência financeira. A pequena equipe é composta por “3 funcionários, com mais 3 ingressando no próximo mês”, segundo Kling.
Mercado dominado e críticas aos desenvolvedores
O caminho do Ladybird não será fácil. Além do desafio técnico de construir um navegador competitivo, a equipe precisará enfrentar um mercado já consolidado. Atualmente, o Chrome domina o uso, com cerca de 65% de market share, seguido por Safari, Edge e Firefox, bem atrás.
Outro obstáculo diz respeito a algumas polêmicas envolvendo a equipe de desenvolvimento. O histórico de comportamento rude e desconsideração com contribuidores da comunidade open source levanta questões sobre a capacidade de manter um projeto colaborativo saudável.
Alguns especialistas também criticam a insistência em reinventar a roda, ou seja, construir tudo do zero em vez de aproveitar tecnologias já existentes. Isso poderia atrasar o desenvolvimento e dificultar a competição com navegadores mais maduros.
No estágio atual, em pré-alfa, não é recomendado usar o Ladybird como seu browser padrão. O navegador demonstra funcionalidade em muitos sites, mas apresenta alguns problemas de geração de layout e desempenho lento. Ao tentar acessar o Gmail, por exemplo, é exibido o erro “este navegador ou app pode não ser seguro”, e o link “Saiba mais” também não funciona, enquanto a janela de depuração gera uma série de erros. Sites carregados com anúncios são os que mais enfrentaram dificuldades.
A expectativa é que uma versão funcional seja lançada apenas em 2026.
Por que a competição entre navegadores é importante?
Um ambiente web saudável requer um ecossistema equilibrado, com diversos navegadores competindo entre si. É necessário que nenhuma organização tenha controle absoluto sobre os padrões da web.
Essa diversidade já existiu no passado, quando o Firefox desafiou o domínio do Internet Explorer (IE) da Microsoft na década de 2000. A defasagem do IE e falta de suporte aos padrões abertos da internet prejudicou o cenário do desenvolvimento web no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. A competição do Firefox forçou os navegadores a se adaptarem e priorizarem a compatibilidade com a web como um todo, em vez de focar apenas no IE e criar sites compatíveis com os diversos bugs do navegador da Microsoft.
Infelizmente, perdemos esse equilíbrio novamente menos de uma década depois. A estratégia agressiva do Google de dominação do mercado fez o Chrome alcançar 65% de participação de mercado, de acordo com o Statcounter. Somando o Edge (que usa o mesmo motor do Chrome, o Blink), esse número ultrapassa os 70%.
Esse domínio permite que o Google implemente mudanças como o formato “Manifest V3” para extensões de navegador, que por coincidência prejudica bloqueadores de anúncios, e usar bibliotecas proprietárias nos sites dos seus próprios serviços, como o YouTube e o Gmail, que fazem eles abrirem melhor no Chrome. O mesmo acontece com recursos hostis ao usuário, como as “Extensões de Mídia Criptografada” (também conhecidas como DRM para web).
Um ecossistema saudável de navegadores poderia ter se posicionado contra esses recursos que retiram controle dos usuários. Infelizmente, a Mozilla acabou cedendo na esperança de manter a participação de mercado do Firefox, mas nem mesmo esse objetivo foi alcançado.