A velha piada entre entusiastas de tecnologia de que “o próximo ano será o ano do Linux no desktop” parece ter encontrado um novo e inesperado capítulo. Talvez 2025 não tenha sido o ano do Linux no desktop, mas 2026 com certeza será o ano do Linux na sala de estar. Essa reviravolta não é liderada por um PC tradicional, mas pela Steam Machine, nova versão do console de jogos que a Valve apresentou nesta quarta-feira (12).

A nova Steam Machine é um cubo compacto de pouco mais de 15 cm que roda o SteamOS, o mesmo do Steam Deck, baseado em Arch Linux e KDE. Diferentemente da tentativa fracassada da década passada, quando a falta de compatibilidade com jogos Windows limitou severamente sua adoção, a Valve agora conta com o Proton — camada de compatibilidade desenvolvida em parceria com a CodeWeavers e baseada no Wine — que permite rodar milhares de títulos originalmente feitos para Windows como se fossem nativos do Linux. De acordo com dados do ProtonDB, mais de 90% dos 50 mil jogos mais populares no Steam já possuem compatibilidade “Platinum” ou “Gold”, ou seja, funcionam sem ou com mínimas intervenções manuais do usuário.

Hardware robusto e experiência plug-and-play

O coração da Steam Machine é um chip semi-customizado da AMD, combinando arquitetura Zen 4 (6 núcleos e 12 threads) com uma GPU AMD baseada em RDNA 3. O sistema vem com 16 GB de RAM, 8 GB de VRAM GDDR6 e opções de armazenamento em SSD NVMe de 512 GB ou 2 TB, além de um slot para cartões microSD de alta velocidade. A conectividade inclui Wi-Fi 6E, Bluetooth 5.3, duas portas USB 3.2 na frente, duas USB 2.0 e uma USB-C 3.2 Gen 2 na traseira, além de Ethernet Gigabit. Para vídeo, há saídas DisplayPort 1.4 (até 4K/240Hz ou 8K/60Hz com HDR e FreeSync) e HDMI com suporte a 4K/120Hz.

Segundo a Valve, o console é até 6 vezes mais rápido que o Steam Deck e capaz de entregar “jogos em 4K a 60 FPS com FSR”, embora, como em qualquer sistema baseado em camadas de compatibilidade, o desempenho varie conforme títulos e otimizações específicas. A empresa garante que o sistema “mantém-se fresco e silencioso, mesmo sob carga máxima”, um fator crucial para dispositivos consoles de videogame e centrais de entretenimento doméstico. Além disso, apesar da interface focada em jogos, o SteamOS oferece acesso completo ao desktop KDE, permitindo que usuários avançados explorem o sistema como um PC Linux tradicional — uma flexibilidade ausente em consoles fechados com Xbox, da Microsof, e PlayStation, da Sony.

Ecossistema aberto em um mercado fechado

A Steam Machine não busca substituir diretamente o PlayStation 5 ou o Xbox Series X, mas oferecer uma alternativa para jogadores que valorizam liberdade de software, retrocompatibilidade com décadas de jogos para PC e acesso imediato a títulos independentes — muitos dos quais demoram meses ou até anos para chegar às plataformas tradicionais, se chegarem. A compatibilidade com até quatro controles Steam simultaneamente, além de suporte universal a controles via USB ou Bluetooth, reforça sua posição como hub de jogos versátil.

O novo Steam Controller traz melhorias significativas em relação ao modelo anterior, com sticks analógicos refinados e “vibração de alta definição”, mantendo os touchpads icônicos que permitem navegação precisa sem mouse. A iluminação RGB na base do console — 17 LEDs endereçáveis — não é apenas estética: pode indicar status do sistema ou ser personalizada conforme a preferência do usuário.

Embora o preço ainda não tenha sido divulgado, projeções de mercado sugerem uma faixa entre US$ 500 e US$ 600, alinhada aos concorrentes atuais. A diferença crucial está no modelo de negócios: enquanto Sony e Microsoft buscam lucro com hardware e serviços, a Valve historicamente subsidia seus dispositivos com receita da loja Steam — o que pode permitir maior competitividade de preço sem sacrificar margens.

Steam Machine versus consoles de nova geração

Em termos de hardware, o Steam Machine ocupa uma posição intermediária entre o Xbox Series S e o Xbox Series X, com especificações próximas à versão mais potente da Microsoft, mas sem atingir o desempenho bruto do recém-anunciado PlayStation 5 Pro. O console da Valve oferece desempenho teórico semelhante ao do Xbox Series X (12 TFLOPS), embora ainda dependa da eficiência do Proton e da otimização de cada título para Windows. Em contraste, o PS5 Pro — cujas especificações incluem 16,7 TFLOPS e upscaling avançado via PSSR — mira claramente em resoluções mais altas e taxas de quadros mais estáveis em jogos AAA.

Diferentemente dos concorrentes, a Steam Machine opera com TDP de apenas 30W para CPU e 110W para GPU, consumindo significativamente menos energia que PlayStation 5 Pro (que atinge picos de 200W+) e Xbox Series X. Esta eficiência traduz-se em menor ruído térmico e custos operacionais reduzidos, aspectos frequentemente negligenciados em comparações tradicionais de consoles.

Uma Steam Machine ao lado de um monitor de computador e uma mão feminina segurando um mouse sobre uma mesa de madeira clara
Reprodução/Valve
Steam Machine pode ser usada como um desktop Linux tradicional

A experiência do usuário também difere significativamente. Enquanto Sony e Microsoft oferecem ecosistemas fechados, atualizações centralizadas e suporte a serviços como PS Plus e Game Pass, o Steam Machine aposta em abertura: roda SteamOS com interface otimizada para TV, mas permite acesso total ao desktop Linux KDE, instalação de software de terceiros, outras lojas (Epic Games Store, GOG, itch.io) e até a troca do sistema operacional. Esse modelo atrai entusiastas de tecnologia e jogadores que valorizam controle total sobre o hardware — um diferencial que, porém, pode afastar o público casual buscando simplicidade.

Outro ponto crítico é a biblioteca de jogos. PS5 e Xbox contam com exclusivos de peso (como Spider-Man 2, Halo Infinite ou Forza Motorsport) e parcerias com grandes estúdios. O Steam Machine, por sua vez, herda o catálogo de mais de 50 mil jogos do Steam, com compatibilidade crescente graças ao Proton. Embora poucos jogos AAA com anti-cheat complexo ainda enfrentem limitações, títulos independentes, clássicos e produções recentes com suporte a Vulkan ou DirectX 11/12 rodam com fluidez surpreendente — especialmente com o suporte nativo ao FSR, que garante escalabilidade em 4K a 60 FPS.

Steam Deck e a adoção do Linux nos jogos

O lançamento do Steam Deck em 2022 foi um marco decisivo para o Linux nos jogos — e, por extensão, no desktop. Antes dele, o Linux representava menos de 1% do market share em sistemas operacionais para jogos, segundo dados da própria Steam. Em outubro de 2025, após mais de 3 milhões de unidades vendidas, a participação do Linux saltou para cerca de 2,3%, um aumento modesto em números absolutos, mas exponencial em relevância estratégica.

O fenômeno conhecido como “Efeito Steam Deck” transcendeu o dispositivo original. Milhares de usuários, frustrados com restrições do Windows 11 como requisito TPM 2.0 e políticas de privacidade agressivas, migraram para SteamOS em desktops e laptops tradicionais. A facilidade de uso demonstrada pelo Steam Deck eliminou barreiras psicológicas que mantinham gamers afastados do Linux por décadas.

Outros fabricantes também perceberam a mudança de ventos. A Lenovo passou a oferecer o portátil Legion Go com SteamOS pré-instalado, enquanto ASUS ROG Ally recebeu portes não-oficiais do sistema que demonstram superioridade em performance e duração de bateria comparado ao Windows. Estas parcerias marcam primeira vez que Linux chega a varejistas populares como a Best Buy, nos EUA, expondo o sistema a consumidores que nunca considerariam instalação manual.

Esse crescimento só foi possível por dois fatores principais: a melhoria contínua do Proton e o compromisso da Valve com compatibilidade reversa. Ao integrar o Proton diretamente na loja Steam — permitindo que jogadores ativassem a compatibilidade com um clique —, a empresa eliminou a barreira técnica que historicamente afastava usuários comuns do Linux. Desenvolvedores, por sua vez, começaram a testar seus jogos no Proton proativamente, reduzindo o número de títulos bloqueados por sistemas anti-cheat incompatíveis. A chegada do Easy Anti-Cheat e do BattlEye ao ecossistema Linux, a partir de 2022, foi um divisor de águas nesse processo.

Com informações de store.steampowered.com e theverge.com

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