Como uma falha na AWS nos EUA paralisou a internet em vários países?
Interrupção na zona US-EAST-1 da AWS, nos Estados Unidos, expôs vulnerabilidade de uma infraestrutura digital concentrada em poucos provedores

Na manhã de 20 de outubro de 2025, milhões de usuários ao redor do mundo enfrentaram dificuldades para acessar sites e aplicativos cotidianos. Uma grande interrupção na Amazon Web Services (AWS) no estado na Virgínia, nos EUA, afetou serviços como Snapchat, Perplexity e Hulu, impactando milhões globalmente devido a um problema interno de rede. O episódio não foi um ataque cibernético, mas sim uma falha técnica que evidenciou a fragilidade de uma economia digital crescentemente dependente de poucos gigantes tecnológicos.
A interrupção afetou usuários de sites que vão desde o Reddit e o Snapchat até o aplicativo do McDonald’s, os dispositivos com Alexa e as câmeras Ring da Amazon, além das plataformas de jogos Roblox e Fortnite. Serviços financeiros, como o Pix, plataformas educacionais, ferramentas de trabalho e até sistemas governamentais experimentaram instabilidades que se estenderam por horas. Relatórios no Downdetector atingiram um pico de mais de 50.000 relatos começando por volta das 4:00 (horário de Brasília), revelando a magnitude do problema.

O que é a AWS e por que ela é tão importante
A Amazon Web Services é uma subsidiária da Amazon que oferece serviços de computação em nuvem para empresas, governos e indivíduos ao redor do mundo. Em vez de investir em servidores próprios, data centers e infraestrutura física cara, organizações de todos os tamanhos optam por terceirizar essas necessidades para a AWS. O modelo permite escalabilidade: uma startup pode começar com recursos mínimos e, conforme cresce, ampliar sua capacidade de processamento sem precisar comprar equipamentos adicionais.
A AWS atende 4,19 milhões de clientes empresariais em 2025 e detém 30% do mercado global de infraestrutura de nuvem. Essa liderança coloca a AWS à frente de concorrentes como Microsoft Azure (20%) e Google Cloud (12%). A empresa mantém uma vasta rede de data centers distribuídos globalmente. Esses centros físicos contêm milhares de servidores que hospedam aplicações, armazenam dados e processam transações em tempo real. Quando um desses centros enfrenta problemas, especialmente em regiões consideradas críticas, o efeito cascata pode derrubar centenas de serviços simultaneamente.
A região US-EAST-1: o calcanhar de Aquiles da internet
O problema teve origem na região US-EAST-1 da AWS, localizada no norte do estado da Virgínia, nos EUA, em uma falha de resolução DNS no DynamoDB, um dos principais bancos de dados da AWS. Essa região é historicamente uma das mais antigas e importantes da infraestrutura AWS, concentrando uma parcela desproporcional dos serviços globais. Especialistas em infraestrutura apontam que a dependência dessa zona é uma herança do crescimento acelerado da AWS na década de 2010, quando a empresa empilhou novas funções e serviços sobre uma base antiga, criando um gargalo estrutural.
Por muitos serviços da AWS dependerem da US-EAST-1, um problema naquela região pode causar a quebra de aplicações em outras partes do mundo, mesmo se não estiverem hospedadas lá. Essa dependência sistêmica transformou o que poderia ser um problema localizado em uma crise global.
Após dois grandes incidentes em 2021, a própria AWS reconheceu publicamente a gravidade do problema e prometeu redesenhar sua arquitetura para distribuir funções essenciais por múltiplas localidades. Contudo, novas interrupções em 2023 e agora em 2025 demonstram que a reestruturação permanece insuficiente. A centralização persiste como um risco estrutural para a economia digital global.
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O impacto financeiro da interrupção de hoje poderia totalizar centenas de bilhões de dólares. Embora a AWS prometa 99,99% de disponibilidade em seus termos de serviço, a compensação por tempo de inatividade é limitada a créditos da própria AWS, não em dinheiro, e esses créditos raramente cobrem o custo real de uma interrupção. As empresas acabam arcando com a maior parte do risco financeiro.
Plataformas de negociação como Robinhood e Coinbase e sistemas de bancos integrados ao Pix experimentaram interrupções nas transações, o que certamente afeta a confiança do mercado. Empresas de comércio eletrônico perderam receita com pedidos falhos e estornos. Ferramentas de produtividade como Slack, Zoom e Canva desaceleraram o trabalho de equipes globais. A interrupção também derrubou ferramentas críticas dentro da própria Amazon, com funcionários de armazéns e entrega, além de motoristas do serviço Amazon Flex, relatando no Reddit que sistemas internos estavam offline em muitos locais.
A concentração como risco sistêmico global
A promessa original da computação em nuvem era de eficiência, flexibilidade e escalabilidade. Contudo, ao concentrar milhões de serviços em poucas mãos, o modelo criou uma fragilidade estrutural. Empresas de todos os portes abriram mão do controle direto sobre servidores, dados e planos de contingência. O resultado é um sistema global interdependente no qual uma falha técnica deixa de ser um incidente isolado e se transforma em evento macroeconômico.
Para setores como finanças e saúde, interrupções não são apenas inconvenientes — são questões de conformidade regulatória. Esses setores precisam atender a metas rigorosas de recuperação, e qualquer tempo de inatividade pode desencadear auditorias ou levar a novas regulamentações. A dependência de um único provedor amplifica significativamente esses riscos.
Estratégias de mitigação incluem distribuir aplicações em diferentes regiões, implementar sistemas de espera preparados (warm standby) e, em casos de alta criticidade, considerar múltiplos provedores de nuvem. Embora essas medidas aumentem custos operacionais, elas reduzem significativamente a exposição a riscos sistêmicos. A diversificação de fornecedores, ainda que mais complexa de gerenciar, emerge como uma necessidade estratégica para organizações que não podem tolerar interrupções prolongadas.
Com informações de lifehacker.com